Estórias do Oriente
Episódio #3 Podcast ESMTC
Depois de ter percorrido a Índia, Bodhidharma foi à China e instalou-se numa região onde vivia um sábio cuja reputação e sabedoria haviam seduzido todos os seus habitantes e mais além. O seu saber era tão vasto, que era considerado ilimitado, estendia-se a todos os domínios científicos e filosóficos. Sem hesitar, podia discorrer longamente sobre todos os assuntos mais variados ou dar respostas a todas as perguntas.
Bodhidharma instalara-se próximo do Palácio, onde oferecia humildemente a sua ajuda às pessoas desejosas de aprender um pouco mais sobre si mesmas. A sua reputação de grande sábio e erudito propagou-se e chegou aos ouvidos do eminente sábio chinês, que era agora governador da região. Este último desejava ardentemente conhecer aquele indiano estranho que detinha um saber misterioso ou, pelo menos, um saber que lhe era desconhecido. Queria saber mais sobre aquele homem e confrontá-lo abertamente quanto aos seus conhecimentos. Nesse sentido, fez-lhe um convite para este vir ao Palácio.
Bodhidharma aceitou o convite, alguns dias depois. Assim que as saudações habituais foram concluídas, fez notar que era hora do chá e que tal costume era muito respeitado no país. Os criados trouxeram então um elegante bule de chá, assim como riquíssimas folhas de chá.
Após 3 minutos de silêncio, no maior dos recolhimentos, o monge indiano começou a verter o chá lentamente, muito lentamente, na primeira chávena. Quando estava quase cheia, ergueu delicadamente o bule e dirigiu-se para a segunda chávena. Com lentidão e segurança, pôs-se outra vez a servir o chá com cerimónia. A chávena estava quase cheia, mas, para surpresa de todos os presentes, ele continuou a verter o chá.
A chávena já transbordava, e ele permanecia imperturbável…
O precioso líquido tomava conta da mesa e Bodhidharma não interrompia o seu gesto.
O governador, simultaneamente intrigado e ultrajado, perguntou-lhe : ” Tendo tu uma reputação de homem de grande sabedoria, como podes desperdiçar uma tal quantidade de bom chá?”
O estrangeiro parou lentamente de verter o chá, pousou um olhar sincero no seu anfitrião e respondeu:
“Este néctar que transborda e se perde é como um ensinamento inestimável desperdiçado. Como podes tu receber conhecimentos preciosos se tens a cabeça já cheia do teu saber?”
Aturdido, o governador, como era bastante instruído, parou de falar e, pensativo durante um longo momento, pôs-se a escutar em vez de simplesmente ouvir.
A escutar em vez de validar.
A escutar em vez de criticar.
Subitamente, tornara-se aberto e pronto a receber ensinamentos úteis e diferentes.
Frequentemente apercebemo-nos que quanto mais aprofundamos o conhecimento, mais vemos o que há ainda para aprender.
Assim, é de grande importância permanecermos completamente abertos e receptivos às descobertas e aos conhecimentos que não param de aumentar.
Ao mesmo tempo integramos a sabedoria recebida do passado, pois há milénios que o ser humano compreendeu intuitivamente verdades imutáveis.
Ficha técnica
Título: Esvaziar a taça
Sonoplastia: ESMTC
Contadora desta estória: Raquel Gaspar