Saúde e Claridade


Esta crónica foi inicialmente publicada há uns meses na página “Estudo Geral”. Hoje, por ter como cenário, motivação e inspiração a ESMTC, pensámos que faria sentido a sua republicação nesta rubrica. A ESMTC é, ela mesma, a afirmação da ligação da arte com a saúde.

O seu edifício foi museu dos CTT e Casa do Teatro dos Dias da Água, apresenta-se forrado a madeiras nobres e tem um jardim intimista com um pequeno lago tranquilizador no centro, como uma mandala. Das janelas das salas de aula vê-se o jardim e as árvores com suas altas copas são visitas das varandas, o espaço exterior é sublime, como o interior. Faz-se trabalho de cura num lugar lindo que já foi museu e teatro. E isto faz sentido. É que curar é uma arte. A alma sente-se melhor num ambiente harmonioso e estético. E com ela o corpo, pois é isso a saúde: a estreita concordância da alma com o corpo.

Tenho o maior respeito por todos os que trabalham a favor da saúde. E aqui englobo todas as formas de vida no planeta, cujo bem-estar faz parte das nossas preocupações.
Trago aqui um tema que não tem sido suficientemente tratado, ainda que seja bastante falado. Mas não necessariamente aprofundado sem preconceitos.

Tem vigorado, ao longo de séculos, um sistema mental de tudo avaliar em termos de bem e de mal. Separadamente. Usamos apenas duas gavetas do mundo. Aquela onde guardamos o que é bom e a outra onde escondemos o que é mau. Segundo os nossos valores. Nós próprios estamos numa dessas gavetas. Na do bem, quando nos queremos ver, uns como cowboys, e outros como índios, consoante o nosso sistema de crenças; e na do mal, quando o nosso amor próprio ou a falta dele nos atira para a gaveta dos índios… ou dos cowboys. E onde quer que estejamos, estamos sempre mal-arrumados. Porque também as etiquetas “cowboys” e “índios”, estão equivocadas.

O simples facto de haver etiquetas, o simples facto de haver gavetas, é o princípio do equívoco. Porque as coisas não funcionam assim. Comecemos por nós, que temos dentro o cowboy e o índio, sendo que o cowboy tem dentro de si o índio e o índio tem dentro de si o cowboy, e a coisa chega a um ponto em que já não é possível apontar o dedo a nada nem a ninguém, pois tudo contém tudo, como um sistema de bonecas russas. Não estou com isto a minimizar o quão devastador foi e continua a ser o efeito da ocupação do território nativo pelos que chegaram de fora. Esse é outro assunto. Não podemos é ficar eternamente plasmados nos arquétipos de vítima e vilão, pois desse modo só conseguimos perpetuar o que aconteceu. Agora há que olhar o que existe, o estado a que se chegou, aprender com o passado e recriar, pela imaginação e com a acção, o futuro.
Muitos discursos acusatórios só atrasam. Vejamos um exemplo: a escravatura. As tribos que vieram a ser escravas da civilização branca tinham muitas vezes dentro delas, entre si, a prática da mesma.
É evidente que numa sociedade organizada tem de haver regras, precisa de prevalecer a ética da defesa dos mais fracos. A nível individual e a nível colectivo. Mas não nos deixemos cegar pelo senso comum, ainda que devamos cultivá-lo, embora sem fanatismo.

Vem todo este arrazoado a propósito da questão da saúde. Muito pequenina, no Alentejo perdido no meio da planície, andei ao colo de uma menina curandeira que teria mais uns dez ou doze anos do que eu e que sempre me tratou, como fazia a toda a gente da aldeia, gratuitamente. Depois, já noutras terras, ainda na infância, pelas doenças, a chegada do médico à beira da minha cama com sua bata branca, era sentida como a presença de um anjo.

Tenho médicos na família, tenho médicos entre os meus queridos amigos e um profundo respeito pela profissão, assim como a atenção às dificuldades com que hoje trabalham, e não apenas no público. Vejo os médicos nos hospitais, nos centros de saúde, como verdadeiros heróis. Se no público é a falta de meios que impera, no privado observa-se uma enorme pressão sobre os médicos, relativamente ao “rendimento”. Estamos conversados. Poderia aqui contar casos de família e de amigos que num hospital privado foram dados como gravíssimos para intervenção urgente, e uma vez no público os médicos não encontraram nem um pequeno sinal dessa urgência, tendo tratado o caso com normalidade e eficácia. Toda a gente percebe do que se trata. Algo que não tem nada a ver com os médicos, nem com a medicina, nem com a saúde, interesses que os ultrapassam. Ainda há pouco tempo uma criança pequenina foi salva de uma intervenção urgente de que não necessitava, aos adenoides, necessitando, sim, dos adenoides de que iria ser privada. Salva por um médico do sistema público, no sistema público.

Com isto, e porque não quero tratar este assunto com as ditas gavetas, não pretendo afirmar que sempre assim ocorra; há respeitáveis médicos no privado, conheço alguns. Conseguem manter-se dentro da ética e furtar-se corajosamente a essa pressão, e também no público encontramos falhas médicas, como em todas as profissões. Falo de médicos, falo de enfermeiros, falo de assistentes.
Avancemos um pouco mais.

Sabemos de casos que se arrastam pelo público, pelo privado, em tratamentos infindos com medicamentos que umas vezes salvam e outras constituem enorme perigo, e que por fim, acabam por ir parar às chamadas medicinas paralelas. Com sucesso. Alguns destes casos são médicos desenganados do próprio sistema a que pertencem. Acabam por se curar, ou por obter melhorias significativas. Porém, nem sempre isso acontece. Também aqui não quero criar gavetas, mas gostaria que começássemos a encarar as enormes possibilidades, com vantagens para a saúde pública, de uma aliança, a nível do sistema, entre as várias práticas. Como existe em alguns países. Mesmo na Europa. Mas o caso da China é o mais patente.

Após os tempos da revolução maoista com perseguição às práticas da sua medicina tradicional, principalmente do Chi-Kung, o poder acabou por se render à evidência e tem hoje hospitais e laboratórios onde se faz investigação na vertente natural, onde a medicina tradicional chinesa com as suas acções terapêuticas milenares como a acupunctura, a massagem tuina, a fitoterapia, a dietética e o Chi-Kung, coexiste e colabora com a medicina moderna com tudo aquilo que nós conhecemos, nomeadamente a extraordinária evolução técnica, que traz, contudo, uma perversão, que é o risco de o médico, na sua tradicional observação, na relação com o doente, ficar apagado e esmagado pelas máquinas.

O que não acontece nestes hospitais mistos de que falo. Há ainda, na China, outros hospitais, os do fim da linha, para onde vão os casos “perdidos” de todas estas tentativas, ali submetidos quase exclusivamente a práticas de Chi Kung energético puro e duro, e os resultados são qualitativa e numericamente surpreendentes, com percentagem grande de curas, e nos outros, melhoria significativa da qualidade de vida. Milagres? Não! A ciência já explica. O problema é que também a ciência ainda está metida em gavetas e com dificuldade em abri-las. Mas vão sendo muitos os médicos no ocidente a frequentar cursos de medicinas complementares e a usá-las na sua prática, médicos desenganados da sua própria medicina a irem tratar-se nas medicinas não convencionais, escolas de medicinas paralelas, como é o caso que conheço, a ESMTC, a incluir médicos e outro pessoal de saúde entre os seus formandos e entre os seus professores e entre os seus especialistas de medicina tradicional chinesa.

De facto, as coisas estão a mudar. Claro que, no interesse dos doentes, terá de haver um reforço da regulamentação pioneira existente no nosso país, regulamentação essa que não pode passar pelo desvirtuamento das práticas tradicionais, pois isso seria retirar-lhes força e eficácia, mas porquê tanta resistência, tanto medo da parte das corporações? É só uma questão de tempo… É claro que algum mérito podemos encontrar nesta resistência, é ela que de algum modo ajuda a alertar para oportunismos. Nesse aspecto, há que agradecer. Mas oportunismos existem em todo o lado e não pode ser esse medo a impedir a evolução que só pode beneficiar a saúde pública. A alternativa positiva ao medo e à força da resistência é a regulamentação.

Tive, recentemente, um problema nos olhos para que procurei ajuda médica pública e privada. Estava cada vez pior e cada vez mais agressivos os medicamentos. Evito recorrer aos familiares e amigos médicos por saber da sobrecarga a que estão sujeitos. Fui, como paciente, à Escola de Medicina Tradicional Chinesa, onde perceberam, pelos métodos de observação, teoria e diagnóstico da medicina tradicional chinesa, que se tratava do fígado. Uma vez iniciado o tratamento do fígado, passou o problema dos olhos, sem tratamento localizado aos sintomas.

Uma amiga que há dez anos sofria com dores num dos ombros, com imobilização quase total e passagem por muitas tentativas de tratamento convencional, após uma sessão reduziu drasticamente as dores e ao fim de três tratamentos levanta o braço acima da cabeça exactamente como o outro, e movimenta-o quase sem dores. Faz, agora, uma vida normal, fica a escrever até de madrugada (é escritora), e já não sofre.

Uma outra que aguarda intervenção cirúrgica no excelente serviço do Curry Cabral, mas já não aguentava com dores de meses, braço imobilizado, incapaz da mais pequena tarefa pessoal, dependente para tudo, embora continue a aguardar a intervenção, pois é um caso onde não há a mínima dúvida de que a medicina convencional tem de actuar, passou, contudo, a ter uma qualidade de vida incomparavelmente melhor, com a diminuição drástica da dor através da aplicação das agulhas e outros procedimentos da medicina tradicional chinesa.

Eu própria, com uma tendinite semelhante a outras anteriores, de há uns anos, que tratei com fisioterapia, do que me sinto muito grata, pelo eficaz tratamento prolongado, desta vez com a massagem e a acupunctura na mesma escola acima referida, quando saí já estava um pouco melhor, no dia seguinte já fazia tudo, à segunda sessão fiquei bem.

Não sendo especialista, poderia aqui tentar uma explicação à medida do meu fraco saber, acerca do funcionamento deste método tradicional, mas qualquer um pode fazer uma pesquisa. Já há muitos médicos e cientistas falando disto e usando-o em si e nos seus doentes.

Recomendo vivamente a seguinte e excelente reportagem da SIC de há 10 anos atrás:

E o seguinte vídeo do Biólogo Bruce Lipton, investigador e professor em Faculdades de Medicina:

A Escola de Medicina Chinesa, ali à Estefânia, é um pequeno império de saúde no sentido mais nobre do termo, pela autoridade que vem ganhando com os reflexos do seu trabalho e o poder que confere aos alunos e pacientes persuadindo-os e ensinando-os como cada um pode e deve ser responsável pela sua saúde. Pequeno, porque tudo se passa dentro de um belo edifício excelentemente aproveitado, a meio da Rua D. Estefânia. Já foi museu dos CTT e Casa do Teatro dos Dias da Água, todo forrado a madeiras nobres, com seu jardim intimista e pequeno lago tranquilizador no centro; mas também império, porque o seu poder se estende a todos os lugares onde chegam os seus alunos, futuros e actuais especialistas de mtc, e os ex-doentes com os seus testemunhos, como agora senti o impulso de fazer.

Tive recentemente uma lesão da coluna cervical devido a um violento puxão de três trelas, que me fez cair de forma impactante, o que me deixou algumas sequelas, sendo a mais duradoura tonturas quase incapacitantes com certos movimentos da cabeça. No dia seguinte ao tratamento, que é o dia de hoje, antes de escrever esta crónica já mudei o caixote das gatas, lavei o terraço, reguei o jardim, dei de comer aos cães, fiz a cama, apanhei a roupa, tomei banho, vesti-me, tomei o pequeno-almoço, etc, depois de uma noite bem dormida, sem tonturas, quando ontem, até o tratamento tive de receber sentada, porque não suportava a posição deitada, pela sensação de abismo.
Mas recordo, e volto lá, as tantas vezes que o médico de família me aliviou e tratou, a mim e à minha família, e o exemplo do meu dentista que trabalha, não por necessidade, mas pelo prazer que tem em tratar, e isso vê-se na sua prática, no cuidado, na competência, na seriedade, na boa disposição, a ponto de eu quase adormecer na sua cadeira, algo de inacreditável e inexplicável para quem tenha medo de dentistas, e tantos, tantos outros casos, que todos temos para contar. E outros que tenho na família, médicos exemplares de valor e dedicação.

Assim, o que tentei fazer aqui foi abrir gavetas, arejar conceitos, trazer experiências e criar canais de comunicação, como nos casos citados na reportagem acima.

Aos dois anos, a minha filha, com uma anemia séria, não assimilando o ferro, depois de vista por mais do que um excelente pediatra e já encaminhada para transfusões, que não iniciou, teve, ao fim de duas semanas de tratamento homeopático, os seus valores de sangue normais.
Foi a ida com ela, mais tarde, por outras razões, a uma consulta da ESMTC (Escola de Medicina Tradicional Chinesa), que me pôs em contacto com esta medicina e a sua prática de Chi-Kung, que nunca mais abandonei. Por isso, a minha relação com a Escola de Medicina Tradicional Chinesa é antiga e cheia de afectos.

Foi também através de indicação desta Escola, também formadora de veterinários nos princípios da medicina Tradicional Chinesa, que a minha cadela resolveu, há uns anos, um problema de pele que não passava com nenhum outro tratamento.

Iniciada em 92, hoje possui um centro de consultas individuais de manhã e de equipas à tarde, havendo em cada dia uma equipa diferente e cada equipa liderada por um professor ou professora diferentes, tendo com eles assistentes e estagiários, e alunos em final de curso que dura cinco anos, mais estágio em hospital chinês. As sextas são dias exclusivamente dedicados à massagem.

Além desta vertente terapêutica, oferece e acolhe oficinas de shiatsu e outras terapias, cursos temporários de vários tipos de massagens e outras terapêuticas, aulas de Tai-chi e Chi-Kung, e, como centro e coração de tudo, a Escola, onde os alunos aprendem desde anatomia e fisiologia com médicos, às técnicas específicas da medicina tradicional chinesa, com especialistas das mesmas, e dietética, meridianos, plantas, massagem energética, Chi-Kung, técnicas de diagnóstico…

Volto aos milagres: as pessoas que aí são tratadas quando aparecem já em estado de desânimo e começam a melhorar e muitas vezes se curam, usam frequentemente a palavra milagre. Mas não se trata disso. Para além da competência e do profissionalismo e dedicação que também podemos encontrar na medicina convencional, esta medicina vai à causa do distúrbio e é aí que vai agir. Não se pode tratar uma árvore com raízes doentes cortando-lhe as folhas. Tem de se ir às raízes. É claro que casos há que requerem intervenção hospitalar, tratamento convencional, onde a lesão já não é tratável de outra maneira, ainda que numa segunda fase possam recorrer à Medicina Tradicional Chinesa para equilíbrio do sistema, pois sabemos como a medicina convencional ainda é, tantas vezes, invasiva e localizada. Salva. Já é muito. Mas se a vida continua, e ainda bem, há que prever.

Segundo a medicina tradicional chinesa, é necessário harmonizar energeticamente o corpo, através de desbloqueamento e da comunicação entre meridianos. Bruce Lipton, o cientista acima referido, fala em cooperação. Somos saudáveis e íntegros porque todas as nossas células cooperam umas com as outras. O problema é que nós não cooperamos com elas e frequentemente nem a nossa própria medicina, pois a maioria das vezes age em desespero de causa, porque a medicina ocidental é uma medicina do desespero, é a luta que traz como tratamento, por aquilo que retira, por aquilo que introduz. E por vezes, como já afirmado, também salva. Apesar de nós, que somos, normalmente, o grande obstáculo. A medicina convencional será assim enquanto o ser humano transportar a luta dentro de si.

Tudo é uma projeção da humanidade. Daí a importância da medicina tradicional chinesa: o apontar de caminhos para o equilíbrio, a autonomia e o bem-estar integral, que inclui o corpo, mas não se fica por aí. Não é por acaso que a medicina convencional já começa a dar alguma importância aos aspectos psicológicos, ao paciente como um todo animado, isto é, com alma, e não como um puzzle inerte composto de peças a tratar uma de cada vez.

As coisas estão a alterar-se, lentamente. Que este texto possa contribuir, de alguma forma, para trazer algum esclarecimento, ou seja, alguma réstia, por pequena que seja, de luz. Sendo, também, uma forma comovida de agradecimento a todos os que, onde quer que estejam, labutam pela saúde integral da humanidade e do planeta.

Risoleta C. Pinto Pedro

 

Nota
Passados 10 anos da redacção deste artigo ocorreram as seguintes alterações:
– a duração do Curso de Medicina Tradicional Chinesa da ESMTC continua a ser de cinco anos, mas tendo o quinto ano passado a ser facultativo;
– o Estágio Hospitalar na China tornou-se também opcional, tal como a sua duração;
– alterou-se a situação de não reconhecimento do Curso de Medicina Tradicional Chinesa da ESMTC, tendo esta formação passado a ser reconhecida pela ACSS – Administração Central do Sistema de Saúde, para efeitos de atribuição de Cédula Profissional de Especialista de Medicina Tradicional Chinesa.