Medicina Tradicional Chinesa e Chi Kung – ser vivo e ser humano – Chi, meridianos e campo de Chi por Nuno Melo e Sousa


Medicina Tradicional Chinesa e Chi Kung – ser vivo e ser humano

Chi, meridianos e campo de Chi

Nuno Melo e Sousa é Especialista de Medicina Tradicional Chinesa, instrutor de Chi Kung e autor de um dos Manuais de Chi Kung do Curso de MTC da Escola de Medicina Tradicional Chinesa

 

A filosofia chinesa antiga e, a partir dela, a Medicina Tradicional Chinesa e o Chi Kung, na perspectiva que expõem do Universo e da Vida, apresentam um Ser Humano que, a par das suas estruturas físicas, está recheado de estruturas internas energéticas, invisíveis aos nossos olhos, com canais de energia (ou meridianos) que – à semelhança dos sistemas circulatório e nervoso – percorrem do centro do corpo até às suas extremidades e destas extremidades de volta para o centro, com redes e ramificações que envolvem e irrigam todos os órgãos internos, alcançando e nutrindo de energia todas as mais ínfimas regiões do corpo, chegando mesmo a descrever bolsas ou lagos de energia em locais onde não existe nenhuma estrutura física que lhes seja análoga.

 

O Chi Kung “é a arte da aplicação e desenvolvimento da energia do Ser Humano, capaz de levá-lo a promover os seus diferentes aspectos, como sejam a sua saúde e vitalidade, a sua resistência e resiliência física, a sua estabilidade psíquica e emocional, o seu potencial criativo, as suas capacidades de concentração e percepção, as suas capacidades motoras e de percepção e deslocação no espaço e até mesmo as suas capacidades empáticas e relacionais”.

Nuno Melo e Sousa in Manual de Apoio ao Estudo do Chi Kung

 

O Chi Kung apresenta ainda o Ser Humano como estando dotado de um campo de energia que se estende e irradia para lá da sua pele, vendo que não só os Seres Humanos mas também todos os animais, plantas e restantes seres vivos, e ainda os minerais e objectos inanimados, os lugares, os vales e montanhas, os cursos de água, toda a Terra e, mais ainda, o Céu e cada um dos seus corpos celestes – em suma toda a existência – são campos de energia, são energia; energia que é base comum de todas as coisas, mas que se torna característica, específica e única em cada ser, coisa ou situação; energia que, por natureza, é constante e automaticamente irradiada e compartilhada com tudo o que rodeia qualquer um desses seres, coisas ou situações.

Esta última característica desta ‘energia’ torna-se particularmente pertinente para o Chi Kung. Ora, porque a realidade energética de todo o Universo ou de qualquer Sua parte é automática e constantemente compartilhada e irradiada de ser para ser, de coisa para ser e de ser para coisa – ou seja, uma vez que, por natureza, há sempre contacto, permuta e transferência energética entre todas as coisas e todos os seres, uma vez que, através da energia, não existe qualquer descontinuidade de contacto entre qualquer ser, coisa ou situação e todos os outros seres, coisas ou situações – o Ser Humano pode consciente e construtivamente usufruir dos aspectos energéticos de todo o Universo para o seu equilíbrio e crescimento, bem como, por sua vez, construtiva e conscientemente emitir e compartilhar essa informação energética de equilíbrio e crescimento.

“Chi” foi a expressão escolhida pelos chineses para designar genericamente todas as realidades energéticas da Natureza, quer se estivesse a referir a um astro, a um lugar ou a um ser vivo. Assim surgem as expressões Chi do Sol, Chi da Lua, Chi da Terra, Chi Humano, Chi do mar… querendo significar a acção, o movimento ou a energia inerente, gerada e emitida, por essas expressões do Universo.

Note-se que, ao utilizarem uma mesma palavra para os diferentes casos, os chineses antigos pretendiam indicar que, ainda que houvessem diferenças particulares para cada caso, na sua essência, no seu nível mais simples, a energia ou Chi de cada um destes seres ou coisas era, uma só e a mesma coisa.i

A Oriente

Os chineses já conhecem e interpretam a realidade energética da Natureza há milhares de anos. Mas mais que conhecê-la, têm até aos dias de hoje feito uso desta realidade em diversas disciplinas, como sejam a filosofia, a astrologia e a geomanciaii; chegaram inclusivamente a incorporá-la nalgumas outras áreas mais pragmáticas da vida, tais como a arquitectura, a dietética, as artes marciais e até mesmo a medicina.

Esta situação aconteceu devido ao método chinês de investigação científica da medicina tradicional chinesa e Chi Kung, um método fenomenológico e circular: para um médico chinês, o mais importante era saber se, ao manipular ou afectar certas áreas do corpo desta ou daquela maneira – fosse através de acupunctura, massagem, dietética, substâncias medicinais ou exercícios – ele conseguiria obter ou não um determinado efeito curativo e/ou uma redução de sintomas.

Para estes profissionais de saúde de Medicina Tradicional Chinesa, a causa ou mecanismo, molecular ou outro, por detrás destes fenómenos era menos importante do que a redução dos sintomas em si.1 Se o fenómeno acontece, posso já utilizá-lo, mesmo que não compreenda porque ou como acontece.

A Ocidente

Este paradigma de pensamento, que foi o que permitiu aos filósofos, cientistas e médicos chineses aceitar, compreender e utilizar o campo de energia do Ser Humano para cuidar e promover a sua saúde, está em contraposição directa com o pensamento científico ocidental dos últimos séculos. Este está centrado a priori nas relações de causa e efeito: só aceita como verdadeiramente real as coisas para as quais se consegue explicar uma causa dentro dos parâmetros científicos. Enquanto não se consiga essa explicação, estamos no campo da fantasia, não se chegando a aceitar fazer algo de útil com um fenómeno que não se percebe.

“A noção da realidade energética do corpo humano é estranha ao pensamento Ocidental, com o seu foco tradicionalmente fixo no fisicamente tangível.”2

Na base deste pensamento esta a noção de que “qualquer tópico ou conceito que não possa ser objectivamente medido ou experimentado é considerado como sendo inadequado para o estudo científico. Sendo, assim, relegado como assunto da filosofia ou religião. Não se está a querer dizer que tal conceito [por mais etéreo que seja] não existe, apenas que está fora do rigoroso escrutínio científico.”1

Contudo, saiba-se que, mesmo dentro deste rigoroso escrutínio, as ciências contemporâneas já reconhecem (ainda que, nalguns casos, relutantemente) a existência de dimensões energéticas e intangíveis dentro e fora do corpo dos seres vivos. “Em poucas décadas, os cientistas passaram da convicção de que não existem quaisquer campos de energia em redor dos seres humanos para a certeza absoluta de que eles existem.”3

Estes campos de energia, pelas características que exibem, são hoje chamados de bioelectromagnetismo, isto é, são o electromagnetismo que é inerente aos seres vivos.1

Concretamente, o campo de energia exterior aos seres vivos é chamado de campo biomagnético, pois a electricidade necessita de um condutor, um suporte material. O que só acontece dentro do corpo. Enquanto que o magnetismo ocorre dentro e fora do corpo, a par dos fenómenos eléctricos que ocorrem no interior do corpo.

Notas:

i Outras culturas para além da chinesa consideraram e estudaram o Chi. Os indianos diziam prana, os japoneses ki, os gregos pneuma…

ii Conhecida na China por Feng Shui

 

Autor: Nuno Melo e Sousa, 2006, Manual de Apoio ao Estudo do Chi Kung da ESMTC, Secção V – Conceitos, Ideias, Imagens em Acção, pp. 56, 57 e 58. Trabalho apresentado para monografia de fim de curso de MTC da Escola de Medicina Tradicional Chinesa.

 

Bibliografia

1 Waechter, 2002, Chi and Bioelectromagnetic Energy, A Minor Area Paper Submitted to the Faculty of Graduate Studies In partial fulfilment of The Doctorate of Philosophy Degree, York University, pp. 6, 7, 16.

2 Johnson, 2000, Chinese Medical Chigong Therapy, pp. 6, 25, 26, 53, 89 90, 105, 106, 107, 117, 231, 259, 273.

3 Oschman, 1996, What is Healing Energy, in Journal of Bodywork and Movement Therapies, October 1996, pg. 1.