Chi Kung na Infância


Ser criança é viver em constante mudança! É ter uma mente e um corpo que crescem continuamente, expostos a muitos estímulos externos como o stress dos adultos, o excesso de estímulos electrónicos, aliado a menos tempo para brincar.

Tudo isso propicia uma menor ligação da criança ao seu corpo físico, emocional e mental, o que leva a uma maior dificuldade em ter consciência de si própria e das suas emoções em relação ao mundo exterior.

Nos últimos anos assistiu-se a um aumento da hiperatividade nas crianças e jovens, dificuldades de concentração, baixa do sistema imunitário, menor resistência física, menor flexibilidade e comportamentos conflituosos ou mesmo violentos. O Chi Kung contribui efectivamente para melhorar todos estes parâmetros.

No mundo actual existe uma pressão cada vez maior, são os rankings escolares, a necessidade de ter avaliações cada vez mais altas para alcançar um futuro melhor, o que determina uma grande competição em todas as áreas da vida. Urge capacitar as crianças com saberes relacionados com a gestão do stress, para poderem manter a paz interior e encontrar soluções para os mais diversos desafios que lhes vão surgindo na vida. É por tudo isto que a prática do Chi Kung é tão importante.

Ao longo de nove anos de prática de Chi Kung com crianças entre os três e os dez anos de idade, na Escola Carolina Michaëlis (2007/2016), em Lisboa, verificou-se que o grupo ficou mais calmo e atento durante o dia, houve uma redução dos conflitos e as ausências por doença diminuíram. Professores e pais referiram que as crianças pareciam mais felizes e as crianças, por sua vez, participavam na aula com gosto não querendo faltar.

Inicialmente programou-se uma prática semanal de 30 minutos mas depressa se passou com sucesso para uma prática de 50 minutos. Para motivar as crianças é fundamental criar um ambiente propício, despertar a curiosidade e executar os exercícios recorrendo à imaginação. Humor e fantasia ajudam a fomentar um bom ambiente. Para uma prática plena é importante que a criança visualize e interiorize. A visualização promove a criatividade e na expressão corporal a criança evidencia as emoções, ideias e sentimentos acerca da prática. Deve haver sempre liberdade para a criança poder exprimir as suas emoções, fundamento da comunicação com o outro.

Aprender através da prática e deixar que a criança vá corrigindo naturalmente a sua postura/movimento, respeitando sempre o seu estádio de crescimento e desenvolvimento é essencial. Mas é preciso incentivar a realização de novos exercícios ou desafios, e fomentar a determinação em não desistir. Com a prática as crianças vão sentido satisfação em ultrapassar as dificuldades que os exercícios de Chi Kung lhes colocam. Encorajar, não permitindo que sintam medo de errar, é fundamental pois as inibições constituem um obstáculo ao desenvolvimento das potencialidades da criança enquanto ser humano. Incentivar a criança a vencer desafios é uma preparação para a vida.

É importante realizar exercícios diferentes e, para dinamizar a prática, incluir alguns mais divertidos. Para o desenvolvimento da criança é essencial que tome consciência das diferentes partes do seu corpo, e aqui a prática da auto-massagem é um excelente recurso.

Há exercícios que podem ser realizados individualmente, a par ou em pequenos grupos. Recorrer a diferentes materiais e explorá-los livremente ou de uma forma mais estruturada. Por exemplo, bolas de ténis para a auto-massagem e posturas de árvore, balões para as posturas de árvore, bolas de sabão ou moinhos de vento para exercícios de respiração.

Na execução dos movimentos com nomes de animais resulta falar nos atributos dos mesmos e nos relacionados com imagens da natureza, como o lago, o arco-íris, a sua referência ajuda a ampliar o movimento. É necessário adaptar alguns exercícios à idade e mostrar imagens para cativar. Por exemplo, imagens de anatomia ajudam as crianças a interessarem-se mais pelos exercícios, torna-as mais conscientes do movimento, do seu corpo e da sua energia. Em muitas ajudou a melhorar a postura, principalmente os ombros curvados para a frente que quase todas as crianças já apresentam, e a melhorar a respiração.

Na prática com crianças são de incluir exercícios de respiração, auto-massagem e hétero-massagem, alongamentos, os 18 movimentos do Tai Chi Chi Kung, concentração, meditação e relaxamento. Na primavera o sistema do Yi Jin Jing é muito apreciado. A postura de árvore, decididamente, é o exercício que as crianças menos gostam mas, ultrapassando o aborrecimento inicial, conseguem realizar as posturas básicas. Para algumas crianças a posição de sentar atrás representa um desafio.

Por norma as crianças não estão interessadas em grandes explicações, querem logo passar à prática e são rápidas a percepcionar e a executar o movimento mas não apreciam repetir muitas vezes, querem logo um novo exercício. Com o decorrer da prática, a energia do grupo fica mais harmoniosa e as crianças mais calmas e concentradas. A partir daí a sua capacidade de repetição do movimento aumenta. Por outro lado, também não estão muito interessadas em saber o que faz bem, as indicações terapêuticas, querem apenas saber histórias e divertir-se. Mas não são necessárias histórias muito elaboradas, as próprias crianças constroem a história se sentirem necessidade disso.

No decorrer da prática, as questões começam a surgir espontaneamente, umas atrás das outras! As crianças são normalmente curiosas, naturais e muito expressivas e francas nas observações.

A ligação entre corpo, emoção e mente é uma constante que se promove na prática de Chi Kung. Cada criança é diferente e absorve e processa a informação de forma diferente, quer seja através do olhar, da escuta, do movimento ou do toque. Ao recorrer a diferentes estímulos ajudamos a criança a desenvolver múltiplos aspectos emocionais, mentais, corporais e espirituais. Não há duas crianças que aprendam ao mesmo ritmo e da mesma maneira, cada uma tem o seu tempo mas a prática continuada permite um equilíbrio de todo o grupo.

Concluiu-se, nestes anos de prática com crianças, que o Chi Kung promove o desenvolvimento psico-motor e bio-energético, o equilíbrio e a coordenação, beneficia a capacidade respiratória e estimula a concentração e a memória. Observou-se uma melhoria na gestão das emoções e foi uma preciosa ajuda para a criança se integrar nos diferentes grupos e desenvolver a auto-consciência e a auto-estima.

Foi muito relevante constatar que, noutros momentos da sua vida, as crianças foram capazes de utilizar com eficácia as técnicas de relaxamento que aprenderam. A prática de Chi Kung promove na criança o respeito e o amor-próprio, o desenvolvimento de movimentos harmoniosos, a percepção do seu corpo e energia, e a descoberta, nos exercícios respiratórios e na meditação, de um lugar de paz e calma interior.

* Artigo escrito por Margarida Sá Domingues, editado e revisto por Margarida Aires