A Medicina Tradicional Chinesa considera a energia do ser humano como um resultado da interacção do Qi celeste com o da Terra.
A Medicina Tradicional Chinesa (MTC) vê o trabalho do corpo como o resultado da interacção de substâncias vitais. Estas substâncias manifestam-se em vários graus de substancialidade. Algumas delas são muito rarefeitas e algumas totalmente imateriais. Todas juntas constituem a visão antiga do corpo-mente.
O corpo e a mente não são vistos como um mecanismo (embora complexo), mas como um turbilhão de energia e de substâncias vitais interagindo umas com as outras para formar um organismo. Na base de tudo está o Qi. Todas as outras substâncias vitais são apenas manifestações do Qi em vários graus de maturidade, evoluindo do completamente material, como os fluidos corporais, para o totalmente imaterial como a mente (Shen).
As substâncias vitais são:
– Qi: algo que pode ser material ou imaterial, que é essencial à constituição do organismo e à sua actividade vital.
– Sangue: líquido de cor vermelha que circula nos vasos e nos meridianos, e que é essencial para a nutrição do corpo humano e para a realização da sua actividade.
– Essência (Jing): substância preciosa, refinada, vital para o crescimento e desenvolvimento humanos.
– Fluidos corporais (líquidos orgânicos): expressão que abrange todos os líquidos do corpo humano.
O conceito de Qi na filosofia chinesa (Maciocia, 1989)
O caracter Qi indica qualquer coisa que é ao mesmo tempo material e imaterial. A parte superior representa: vapor, gás, parte que evapora na cozedura do alimento; a parte inferior representa: arroz não cozinhado. O que indica, por um lado, que o conceito de Qi abrange uma parte imaterial (vapor do alimento) e outra material (o arroz não cozinhado) e, por outro lado, que se trata de uma substância subtil que deriva de outra mais material (o “arroz”).
Várias têm sido as tentativas para traduzir o Qi: energia, força material, etéreo, matéria, matéria-energia, força vital, força da vida, resistência vital, potência do movimento. Porquê esta dificuldade?
Porque o Qi pode assumir diferentes manifestações. Porque pode ser diferentes coisas em diferentes situações. Físicos modernos aceitam melhor a tradução pelo termo – energia – contudo os sinologistas preferem traduzi-lo como matéria. O problema é que matéria, para o chinês, significa algo muito diferente do que é entendido pelo ocidental. Por estes motivos, e do mesmo modo que não se traduz Yin e Yang, muitos autores acabam também por não traduzir o Qi. Os textos modernos e antigos chineses não especulam sobre a natureza do Qi, nem tentam conceptualizá-lo. O Qi é percebido de modo funcional, pelo que faz.
No universo a variedade infinita dos fenómenos resulta da agregação e dispersão contínuas do Qi, das quais resultam fenómenos de vários graus de materialização. Esta ideia foi discutida por vários filósofos chineses ao longo dos tempos. Lie Zi, um filósofo Daoista (300 d.C.) já dizia: «o puro e o leve (elementos) tendem a subir, formam o céu; os grosseiros e os pesados (elementos) tendem a descer, formam a terra.»
Deste modo, o céu e a terra são frequentemente utilizados para simbolizar dois estados extremos, o mais rarefeito e disperso, e o mais condensado e agregado do Qi, respectivamente Huai Nan Zi (122 d.C), num livro Daoista refere: «Dao origina-se do Vazio e o Vazio produz o universo. O universo produz o Qi. Que era limpo e leve e subiu para se tornar céu, e aquilo que era pesado e turvo solidificou para formar a terra.»
De acordo com estes filósofos antigos, a vida e a morte não são mais do que uma agregação e dispersão do Qi. Wang Chong (AD27-29) diz: «o Qi produz o corpo humano do mesmo modo que a água se pode tornar gelo. A água condensa-se até formar gelo, do mesmo modo que o Qi coagula para formar o corpo humano. Quando o gelo derrete torna-se água. Quando uma pessoa morre torna-se espírito, do mesmo modo que o gelo se transforma em água.» Este mesmo autor refere ainda que: «quando chega a altura da separação e da diferenciação, o puro (elementos) forma o céu e o turvo forma a terra.» Zhang Zai (1020-1077 d.C.) viu claramente que a matéria é indestrutível e que, portanto, não se perde. O Qi em dispersão é substância e é-o da mesma forma em condensação. A vida humana não é mais do que uma condensação de Qi, e a morte uma dispersão de Qi. Cada nascimento é uma condensação, cada morte uma dispersão. O nascimento não é um ganho, a morte não é uma perda.
Zhu Xi (1619-1692) reafirmou o conceito de continuidade da energia, da matéria e a condensação do Qi sem forma, em forma física: «a vida não é criação do nada, e a morte não é uma dispersão e destruição completa. Também, apesar da condensação e dispersão do Qi, a sua substância original não pode ser acrescentada nem subtraída.» O autor refere ainda que «tudo o que é vazio, está cheio Qi no seu estado de condensação e portanto visível, chama-se ser, mas no seu estado de dispersão, e portanto não visível, chama-se não ser.»
Concluindo, podemos dizer que o Qi é uma forma contínua de matéria, resultando numa forma física (Xing) quando se condensa. O Xing é uma forma de matéria descontínua, resultando em Qi quando é dispersado.
Ana Varela e Lurdes Carvalho, ESMTC. (Especialistas de Medicina Tradicional Chinesa).